O banho
Nestes dias de calor intenso,
sempre me vem à cabeça um episódio que ocorreu quando eu ainda era
criança. Eu e meu irmão Marcelo sempre fomos grandes companheiros de aventuras.
Certa vez, nosso
avô paterno fora passar alguns dias conosco. E mesmo no verão de 36/38 graus,
nosso avô com seus 85 anos, senil de idade e com um jeito de viver bem
particular, não se deixava levar pelos argumentos dos outros.
Fumava
cachimbo e o odor misturava-se com a falta de banho e passava dias assim,
sem que ninguém o convencesse.
Embora fosse um homem espirituoso, de bom papo, contava histórias de pescador e de assombração, não gostava de ducha, dizia que não tinha feito nada que necessitasse de chuveiro. Vez ou outra, em ocasiões espaciais tomava um banho rápido, fora isso lavava os pés toda a semana.
Gostávamos de sua companhia, mas o odor
atrapalhava nosso convívio.
Numa tarde de sol
cáustico, ele sentado no jardim com o tal cachimbo, e eu e o Marcelo ali,
sujeitos aos odores. Foi então que minha cabeça brilhante teve uma ideia:
– Vamos
dar um banho no vovô?
Meu irmão não pensou duas vezes, correu pegou
sabonete, xampu, toalha. E ali mesmo, de
mangueira, começamos o trabalho. Tiramos sua camisa de mangas longas e o deixamos com uma camiseta que ele usava por baixo.
Começamos logo de cara pela cabeça, como quem rega uma planta sensível começamos devagar, mas logo fomos abrindo mais e mais a torneira e entre risos e esfregação a água escorria encardida, fria. Vovô tremia brrr brrr...
Lavamos até o cachimbo. O pobre não falava,
somente balbuciava e tremia e tremia. Meu irmão teve a delicadeza de pedir licença e
lavar as partes baixas. Os pés sobraram para mim. Usei pedra-pomes e ralei
tanto aqueles pés que, depois, parecia bumbum de bebê.
Trabalho completo: penteamos o cabelo ralo, cortamos as unhas, passamos talco e passei um brilho em seus lábios, que não sei o porquê estava
meio roxo. Tão logo o avozinho começou a ter um chilique, foi caindo de banda.
Chamamos minha mãe aos berros, que não acreditava na cena.
Conclusão: Nosso avô teve uma pneumonia e ficou uma semana internado (o
que ameniza um pouco minha culpa: ele foi para cheiroso para o hospital). E quanto
a nós? Bem, deixa pra lá!
Hoje em
dia meu avô não existe mais, nem o jardim, somente a lembrança e a saudade da
pessoa maravilhosa e das nossas peripécias.
Que dó do Vô!
ResponderExcluirlinda narrativa. Tem muito ai. . . Alegria, diversão. Um monte de sentimentos que você sabe mesclar! Fiquei com lágrimas nos olhos, vc me pois lá, vendo tudo, senti tudo, incluindo os odores, mas não achei ruim. Achei saudade!
Pecado! Eu me diverti com a história, mas amei o comentário do Fábio, confesso que me emocionei: Achei saudade!
ResponderExcluirParabéns, Dri e Fábio!