08 fevereiro, 2012

O banho

O banho

          

            Nestes dias de calor intenso, sempre me vem à cabeça um episódio que ocorreu quando eu ainda era criança. Eu e meu irmão Marcelo sempre fomos grandes companheiros de aventuras.

            Certa vez, nosso avô paterno fora passar alguns dias conosco. E mesmo no verão de 36/38 graus, nosso avô com seus 85 anos, senil de idade e com um jeito de viver bem particular, não se deixava levar pelos argumentos dos outros. 

 Fumava cachimbo e o odor misturava-se com  a falta de banho e passava dias assim, sem que ninguém o convencesse.

  Embora fosse um homem espirituoso, de bom papo, contava histórias de pescador e de assombração, não gostava de ducha, dizia que não tinha feito nada que necessitasse de chuveiro. Vez ou outra, em ocasiões espaciais tomava um banho rápido, fora isso lavava os pés toda a semana.

  Gostávamos de sua companhia, mas o odor atrapalhava nosso convívio.

Numa tarde de sol cáustico, ele sentado no jardim com o tal cachimbo, e eu e o Marcelo ali, sujeitos aos odores. Foi então que minha cabeça brilhante teve uma ideia: 

            – Vamos dar um banho no vovô?

Meu irmão não pensou duas vezes, correu pegou sabonete, xampu, toalha. E ali mesmo, de mangueira, começamos o trabalho. Tiramos sua camisa de mangas longas e o deixamos com uma camiseta que ele usava por baixo.

Começamos logo de cara pela cabeça, como quem rega uma planta sensível começamos devagar, mas logo fomos abrindo mais e mais a torneira e entre risos e esfregação a água escorria encardida, fria. Vovô tremia brrr brrr...

Lavamos até o cachimbo. O pobre não falava, somente balbuciava e tremia e tremia. Meu irmão teve a delicadeza de pedir licença e lavar as partes baixas. Os pés sobraram para mim. Usei pedra-pomes e ralei tanto aqueles pés que, depois, parecia bumbum de bebê.

Trabalho completo: penteamos o cabelo ralo, cortamos as unhas, passamos talco e passei um brilho em seus lábios, que não sei o porquê estava meio roxo. Tão logo o avozinho começou a ter um chilique, foi caindo de banda. Chamamos minha mãe aos berros, que não acreditava na cena.

 

Conclusão: Nosso avô teve uma pneumonia e ficou uma semana internado (o que ameniza um pouco minha culpa: ele foi para  cheiroso para o hospital). E quanto a nós? Bem, deixa pra lá! 


Hoje em dia meu avô não existe mais, nem o jardim, somente a lembrança e a saudade da pessoa maravilhosa e das nossas peripécias.




2 comentários:

  1. Que dó do Vô!
    linda narrativa. Tem muito ai. . . Alegria, diversão. Um monte de sentimentos que você sabe mesclar! Fiquei com lágrimas nos olhos, vc me pois lá, vendo tudo, senti tudo, incluindo os odores, mas não achei ruim. Achei saudade!

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  2. Pecado! Eu me diverti com a história, mas amei o comentário do Fábio, confesso que me emocionei: Achei saudade!


    Parabéns, Dri e Fábio!

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Receberei seu comentário com muito carinho. Obrigada!