Dria Antunes - Sentimentos...
04 janeiro, 2021
03 janeiro, 2021
...Cada dia um novo hoje
02 janeiro, 2021
Bicho
Em um lugar sem nome e sem dono, viviam muitos bichos. Isso mesmo, bichos, eles também não tinham nomes. Mas o lugar era de uma beleza
sem igual, de rios limpos, flores, árvores, frutos e um ar puro, tão puro que tinha cores.
Até que um dia, um dos bichos, que era grande,
forte e tinha uma juba resolveu ser o rei. Assim, falou ele:
– De hoje em diante quem manda aqui sou eu!
A bicharada ficou estarrecida. Foi então que
um bichinho pequeno, branquinho de dentes saltados e orelhas grandes, disse:
– Só se você lutar comigo
e vencer!
É claro que o bicho de juba ganhou a luta.
Então outro bicho, até bem grande quanto o de juba, quis
lutar. Foi uma luta demorada, pois o bicho era forte e de vários dentes grandes
e uma boca que abria e fechava, mas seu couro cheio de relevo, dizem a bichada,
o fez perder a luta.
Enfezado um próximo bicho propôs uma competição, o primeiro
de ganhasse uma corrida, seria o líder.
Assim, ao sinal de um som de um bicho de penas brancas que
voava com um raminho no bico, foi dada a largada.
O bicho “jubento” nem fez muito esforço, pois o outro bicho
não chegou longe, devido aos cascos quebrados nas pedras do caminho.
O suposto rei fez um apelo:
– Quem será agora minha vítima?
Não é que um bicho cheio de penas que comia milho
apareceu.
A luta mal começou e terminou somente com o rugir o bicho
grande.
– Ah! Isso não vai ficar assim, disse um bicho parecido com
o último, a diferença é que este tinha crista na cabeça, talvez por isso se “achava”
capaz de ser rei.
Mero engano! Ele bem que ciscou, correu e pulou, mas de nada
adiantou. O grandão venceu fácil.
E assim, o bicho grande se tornou rei. Mas todos os outros
bichos eram livres e viviam em harmonia no paraíso verde.
Até que apareceu um bicho bem diferente e se dizia chamar
homem, um animal racioal. Este começou a chamar o lugar de Terra e a chamar a bichada de
animais. Prendeu o bicho grande e muitos
outros bichos num lugar de nome zoológico. O homem deu ao bicho-rei o nome de
leão. A outros bichos, disse o homem,
seria de estimação. Mas a maioria dos animais foram presos ou sacrificados.
Ao bicho branco peludo de orelhas grandes e dentes saltados,
deu o nome de coelho. O homem disse ao coelho:
– Seu pelo dará um excelente cobertor! O pobre coelho não
sabia o que isso significava cobertor.
O bicho grande de couro estranho se escondeu no rio, mas o
homem o caçou e tirou seu couro e fez sapatos para seus pés e bolsa para
carregar bugigangas.
Ao bicho, que propôs a corrida, deu o nome de cavalo e fez a
ele uma espécie de calçado nas patas – gesto nobre até então – e o fazia puxar
um caixote de madeira carregando-o para cima e para baixo, fora as mercadorias
pesadas, fosse noite, fosse dia. Se ele negasse a sair do lugar o xicote cantava no lombo.
O bicho que voava com um raminho no bico, passou a se chamar
pombo-correio e em troca de comida levava em seu bico recados por toda a
redondeza. Às vezes pensava em fugir para bem longe dali, mas para onde ir?
Ao bicho de penas deu o nome de galinha, que perdeu suas pequenas
por algo com nome de travesseiro, além de ter a promessa do homem de que ela
seria almoço de qualquer domingo. E foi!
O último bicho que lutou com o agora chamado leão, foi
chamado de galo e incumbido de toda manhã bem cedo, faça sol, faça chuva,
acordar o homem, mas o pior é que o pobre era obrigado a lutar com os mesmos de
sua raça, pois isso era diversão.
Depois disso, o bicho, digo, o homem passou a mandar e a nomear tudo.
Encontro
Frio
Frio
O frio que mais congela
Não é o que entra pela janela
Não é a falta de cobertores
Nem a falta de aquecedores
É a palavra maldita e mal dita
É falta de abraço
Fria que ultrapassa
Qualquer geada
Roupa que não se usa
Fica bem em quem não tem
Sapato que te aperta
Aquece os pés de alguém
O frio que mais congela
É a estupidez de quem pode
E não faz nada por alguém
Pense, faça o bem.
Sei lá
É dia e não tenho vontade de mais nada, a não ser
viver.
Gosto de intensidade, de verdade. Se for pra ser feliz que seja por inteiro, se for para ser triste que seja de uma vez. Nada pela metade me agrada, nem laranja.
Algumas pessoas levaram muito de mim, mas não fui inteiro. Pensando bem: não levaram nada!
Como posso não sentir? Meu coração não é de pedra.
Algumas pessoas dão grande importância ao primeiro amor. Já eu dou ao último. O que não durou, não existiu, simples assim.
Nada do que sinto é pouco, só não sei explicar. Às vezes sou mel, noutra sou fel, mas sempre eu mesma.
A ventania dos meus pensamentos é célere, não se prende. Talvez seja por isso que busco o equilíbrio em uma corda bamba. Talvez seja meu pensamento andando mais rápido do que eu. Talvez seja minha vida no lado errado de mim. Penso que ainda vou me achar.
Como dizer adeus sem sofrer? Quero viver!
Tenha consciência que em tudo e para tudo existe um espaço: dia –
noite – vida – morte, riso – lágrima...
Aproveite para fazer a diferença aqui!
24 fevereiro, 2014
Maria Clara
Faz um mês que estive numa consulta médica. Fui sem marcar horário, porque não estava me
sentindo bem. Como sabia que iria ter que esperar levei um livro, não para ler,
mas para não precisar conversar (não que eu não goste), mas porque este momento
de minha vida, o bate-papo não seria espontâneo.
Enquanto as pessoas que ali estavam liam
revistas, falavam e teclava em seus celulares, eu fingia que lia o livro que
estava em minhas mãos. Meus pensamentos estavam doloridos demais, tanto quanto
meu corpo. Foi então que uma senhora entrou acompanhada de uma menina de touca
azul, que cumprimentou a todos (poucos responderam). Ela sentou-se ao meu lado
e se apresentou: – Oi, eu chamo Maria Clara e você? Respondi com meio sorriso.
Ela perguntou se eu estava conseguindo entender o que estava lendo, pois o meu
livro estava de ponta cabeça. Ri baixo e lhe disse que na verdade eu não estava
tentando ler, apenas queria ficar “na minha”. Ela, sem mais nem menos, começou
a me encher de perguntas.
A mãe
da menina, que estava sentada do outro lado da sala, de vez em quando olhava em
nossa direção e sorria, parecia triste, mas era uma mulher muito bonita, assim
como Maria Clara.
A secretária veio e nos disse que o médico realmente iria demorar
a nos atender, pois estava cuidando de uma emergência, e nos alertou que, caso
alguém quisesse remarcar para outro dia, podia acompanhá-la. Confesso que tive
vontade, mas, por outro lado, já que eu estava ali, iria aguardar.
Maria Clara perguntou se eu trabalhava, respondi que eu cuidava
da minha casa. Ela falou inocentemente: – Cuidar da casa não é trabalho, é
obrigação. Mas é bom, né? Porque ninguém cobra nada! (ela que pensa!). Foi aí que ela me conquistou! Quando me dei
conta estávamos conversando como amigas, embora nossa diferença de idade fosse
grande, mas para ser/ter amigos basta existirmos.
Entre tantas perguntas que ela me fez, como qual a
minha cor favorita, meu prato predileto, minha melhor amiga etc., ela me perguntou
se eu sofria pela perda de alguém. Respondi que sim – do meu pai (nos difíceis
momentos que tenho passado, sinto muito a falta dele. Ninguém saberia me
abraçar como ele). Ela segurou minhas mãos e falou: – Quem a gente ama, nunca
morre! Segurei minhas lágrimas e pensei que era bastante sabedoria para uma
criança de sete anos. Contudo, pensando melhor, como alguém tão pequena poderia
me dar lição de vida? Afinal, ela não sabia nada da vida, muito menos da minha.
Para quebrar aquele momento estático, perguntei-lhe: – O que você quer ser quando
crescer? Ela respondeu: – O mesmo que sou hoje – feliz! Todos que ali estavam
nos olhavam com uma expectativa em mim. Eu lhe abracei como se abraçasse minha
filha.
Maria Clara continuou me contando sobre ela: que
tinha um irmão mais velho (que era adolescente) e que, ainda assim, era boa
pessoa (resisti, mas não perguntei por que); que amava o Brian (seu cachorro,
mesmo sendo velho); que amava desenhar nuvens (porque não precisava exatidão);
sua cor preferida era o azul-céu; e que ela tinha o melhor pai e mãe de todo o
mundo inteiro (exatamente com essas palavras), assim como você, porque os nossos
são sempre os melhores, né?! Concordei com a cabeça e com o coração.
O tempo que passei esperando ficou curto com a presença daquela
menininha, que foi atendida antes de mim (eu tive que esperar mais meia hora).
Quando ela e a mãe saíram do consultório, ela correu me abraçar disse: – Seja
feliz! A mãe dela também me abraçou. Percebi que tremia e com a voz embargada
me agradeceu (eu quem estava grata por ter conhecido Maria Clara). Senti
vontade de pedir o telefone, mas não o fiz.
Um mês depois, voltei ao médico para levar meus exames e, naquela
mesma sala de espera (só que menos cheia, pois o médico estava no horário),
pensei em Maria Clara. Decidi pedir à secretária o telefone. Com minha habitual
educação, falei sobre aquele meu dia com Maria Clara, aquela adorável menina...
A secretária não esperou eu terminar: – Ela morreu, sinto muito!
Quando saí do consultório, olhei para o “azul-céu” com uma nuvem
sem “exatidão”. Chorei!

