28 agosto, 2012

Medo de altura

                                                    Medo de altura e pavor de macarrão
     


            Lembro-me de quando eu tinha quatro anos, juntamente com meu irmão gêmeo e mais dois irmãos mais novos (sim, éramos uma “escadinha”). Nossos pais estavam com dificuldades financeiras. Minha mãe, que nunca fugiu à luta, começou a trabalhar fora, e nos deixou com uma moça chamada Generosa (é incrível como me lembro da fisionomia dela, principalmente dos olhos).  Assim, ficou acertado que a prioridade era o nosso cuidado, em especial com nossa alimentação, e, se desse tempo, ela faria o resto do serviço em casa.

Meus pais saíam de casa às sete e trinta; o mesmo horário que ela chegava, e, a partir daquele horário,  o alvoroço começava logo cedo com banhos, roupas limpas e também... Bom, e também ela tirava a mesa do café da manhã, colocando cada um de nós sentados em uma cadeira em cima da mesa, amarrados pela cintura para que não caíssemos. O único que ficava no berço era o meu irmão mais novo.

A princípio eu achava o “máximo”, não que eu soubesse o que significava esse tal máximo, mas como sempre fui uma mente devaneadora, ficava lá, amarrada, e assim prosseguiam os dias, as semanas.

Parece coisa de pesadelo, mas foi muito real e até bom nas primeiras horas, eu e meus irmãos brincávamos de ônibus, trenzinho, avião, passarinho. Usávamos a imaginação, mas a criatividade cessou.  Enquanto isso, ela trabalhava na limpeza, realizada todos os dias. De vez em quando, ela perguntava quem queria ir ao banheiro e, como era de se esperar, passei a querer ir toda a hora.

Na hora do almoço ela preparava, quase sempre, macarrão, que era servido em copos, um para cada um. Claro que podíamos repetir, e então fazíamos com gosto pela falta de não ter o que fazer. Quando se aproximava o horário de minha mãe chegar ela nos tirava das alturas e nos dava pirulitos. Essa era a melhor hora do dia. Minha mãe chegava e encontrava tudo impecavelmente limpo, organizado. O que muito agradava mamãe.

Os dias foram passando e fomos cansando, algumas vezes chorávamos, noutras até dormíamos ali mesmo, feitos “bichos em árvores”. Como sempre a comida, digo o macarrão, era servido em copos, tipo requeijão.

Depois que terminávamos o “maravilhoso almoço”, ela nos servia “Q-suco”, doce demais, no mesmo copo para não sujar outro. 

Uma vez fiz greve de fome, sem saber o que era greve, mas fiz por estar enjoada daquele macarrão esbranquiçado. É claro que eu e meus irmãos perdemos peso. Fazíamos um “campeonato” de quem chorava mais. Quase sempre dava empate.

A fraqueza que ficávamos dava a ela mais tempo para “faxinar”. Ficávamos ali, pendurados, entregues. Passei a ter medo de olhar para o chão, meu medo de cair era tanto que a noite eu tinha pesadelos horríveis.

Minha mãe começou a nos instigar, e em nossa linguagem de criança, dizíamos que não queríamos mais brincar no alto da cadeira.

Depois de um tempo, como de costume, quando ouvíamos o portão se abrindo com a chegada da Generosa (todos nós começávamos a chorar, eu me agarrava em mamãe pedindo para ela ficar em casa conosco, porque não queria mais ficar lá em cima, apontando para mesa). O Daniel, meu irmão polaquinho, ficava vermelho feito sangue. 

Mamãe nos abençoava e saia com ar de tristeza.  E assim, começava de novo a nossa desventura nos ares.

Hoje em dia, quando ouço a palavra generosa (que significa: pessoa capaz de deixar de lado os seus próprios interesses para ajudar outra pessoa) me dá um acesso de riso.

Em uma tarde quente com o cheiro forte de cera que ela havia passado no chão, acabamos dormindo e acordamos com o grito de mamãe, que chegou mais cedo.

Nunca vou me esquecer da bofetada que mamãe deu em Generosa. Foi um dia diferente, não sei de onde mamãe tirou tanta força, mas acabou amarrando a dita cuja na cadeira em cima da mesa e a polícia foi chamada.

O que ficou disso tudo? Medo, medo de altura e nojo de macarrão branco, além de uma baita anemia.

Bem! O tormento mudara, mas não acabara. Pois, passamos frequentar a creche. Era fila para tudo: ir ao banheiro; o horário do banho começava às 16 horas, numa fila interminável, quando finalmente chegava a minha vez, naquela banheira gigante com três meninas, numa água fria e suja (confesso que muitas vezes fiz xixi), não por vontade, mas por falta de controle daquela situação insana. 

Quanto à comida. Adivinha? Macarrão! Mas era variado, um dia com abobrinha, outro chuchu. Para beber: Q-Suco, mas não era tão doce.

2 comentários:

  1. Tá explicado muitas coisas!!

    Adorei o texto, mesmo porque sei que é real, ou seja que realmente aconteceu.

    Beijos.
    Ana Paula.

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  2. Adriana, boa analise, é bom nos entender, esse é o melhor dos passos que o homem pode dar em toda vida. se entender. profebioluciene@hotmail.com é o meu email.
    Grande abraço!

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Receberei seu comentário com muito carinho. Obrigada!