Faz um mês que estive numa consulta médica. Fui sem marcar horário, porque não estava me
sentindo bem. Como sabia que iria ter que esperar levei um livro, não para ler,
mas para não precisar conversar (não que eu não goste), mas porque este momento
de minha vida, o bate-papo não seria espontâneo.
Enquanto as pessoas que ali estavam liam
revistas, falavam e teclava em seus celulares, eu fingia que lia o livro que
estava em minhas mãos. Meus pensamentos estavam doloridos demais, tanto quanto
meu corpo. Foi então que uma senhora entrou acompanhada de uma menina de touca
azul, que cumprimentou a todos (poucos responderam). Ela sentou-se ao meu lado
e se apresentou: – Oi, eu chamo Maria Clara e você? Respondi com meio sorriso.
Ela perguntou se eu estava conseguindo entender o que estava lendo, pois o meu
livro estava de ponta cabeça. Ri baixo e lhe disse que na verdade eu não estava
tentando ler, apenas queria ficar “na minha”. Ela, sem mais nem menos, começou
a me encher de perguntas.
A mãe
da menina, que estava sentada do outro lado da sala, de vez em quando olhava em
nossa direção e sorria, parecia triste, mas era uma mulher muito bonita, assim
como Maria Clara.
A secretária veio e nos disse que o médico realmente iria demorar
a nos atender, pois estava cuidando de uma emergência, e nos alertou que, caso
alguém quisesse remarcar para outro dia, podia acompanhá-la. Confesso que tive
vontade, mas, por outro lado, já que eu estava ali, iria aguardar.
Maria Clara perguntou se eu trabalhava, respondi que eu cuidava
da minha casa. Ela falou inocentemente: – Cuidar da casa não é trabalho, é
obrigação. Mas é bom, né? Porque ninguém cobra nada! (ela que pensa!). Foi aí que ela me conquistou! Quando me dei
conta estávamos conversando como amigas, embora nossa diferença de idade fosse
grande, mas para ser/ter amigos basta existirmos.
Entre tantas perguntas que ela me fez, como qual a
minha cor favorita, meu prato predileto, minha melhor amiga etc., ela me perguntou
se eu sofria pela perda de alguém. Respondi que sim – do meu pai (nos difíceis
momentos que tenho passado, sinto muito a falta dele. Ninguém saberia me
abraçar como ele). Ela segurou minhas mãos e falou: – Quem a gente ama, nunca
morre! Segurei minhas lágrimas e pensei que era bastante sabedoria para uma
criança de sete anos. Contudo, pensando melhor, como alguém tão pequena poderia
me dar lição de vida? Afinal, ela não sabia nada da vida, muito menos da minha.
Para quebrar aquele momento estático, perguntei-lhe: – O que você quer ser quando
crescer? Ela respondeu: – O mesmo que sou hoje – feliz! Todos que ali estavam
nos olhavam com uma expectativa em mim. Eu lhe abracei como se abraçasse minha
filha.
Maria Clara continuou me contando sobre ela: que
tinha um irmão mais velho (que era adolescente) e que, ainda assim, era boa
pessoa (resisti, mas não perguntei por que); que amava o Brian (seu cachorro,
mesmo sendo velho); que amava desenhar nuvens (porque não precisava exatidão);
sua cor preferida era o azul-céu; e que ela tinha o melhor pai e mãe de todo o
mundo inteiro (exatamente com essas palavras), assim como você, porque os nossos
são sempre os melhores, né?! Concordei com a cabeça e com o coração.
O tempo que passei esperando ficou curto com a presença daquela
menininha, que foi atendida antes de mim (eu tive que esperar mais meia hora).
Quando ela e a mãe saíram do consultório, ela correu me abraçar disse: – Seja
feliz! A mãe dela também me abraçou. Percebi que tremia e com a voz embargada
me agradeceu (eu quem estava grata por ter conhecido Maria Clara). Senti
vontade de pedir o telefone, mas não o fiz.
Um mês depois, voltei ao médico para levar meus exames e, naquela
mesma sala de espera (só que menos cheia, pois o médico estava no horário),
pensei em Maria Clara. Decidi pedir à secretária o telefone. Com minha habitual
educação, falei sobre aquele meu dia com Maria Clara, aquela adorável menina...
A secretária não esperou eu terminar: – Ela morreu, sinto muito!
Quando saí do consultório, olhei para o “azul-céu” com uma nuvem
sem “exatidão”. Chorei!